Felipe Salustino Repórter
Protótipo ganhou medalha de ouro na 1ª Olimpíada da Universidade Federal Rural do Semiárido. Alunos participaram | Foto: Cedida
Estudantes da Escola Estadual Dr. José Fernandes de Melo, de Ensino Médio Integral, em Pau dos Ferros, no Oeste potiguar, têm ganhado destaque ao desenvolver soluções sustentáveis com base nas necessidades da própria região. As criações incluem um capacete automatizado com tecnologia que previne cochilos em motociclistas, passando pela fabricação de uma prótese para cavalos vítimas de amputação e um protótipo de um carro com vistas a adaptações ao bioma da Caatinga. Todos os projetos foram coordenados pela professora Jacicleuma Lima e selecionados para a 1ª Olimpíada da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa). Play Video Um dos trabalhos integrou a “Rover Expedição Caatinga”, da Ufersa, e projetou o protótipo de um veículo modelo Rover, que levou medalha de ouro na Olimpíada. Além disso, duas alunas da equipe – Anna Alves e Anne Queiroz – foram selecionadas para montar um novo veículo com estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Cambridge, nos Estados Unidos. O encontro está previsto para ocorrer no final deste mês, em Mossoró. Os detalhes de como será o novo protótipo ainda não são conhecidos pelos alunos. A participação da Escola Dr. José Fernandes de Melo na expedição começou com uma prova escrita, aplicada nas 11 turmas da unidade de ensino, com questões sobre o bioma da região. A professora Jacicleuma Lima explica que sete equipes foram selecionadas para a etapa seguinte à prova, que envolvia uma série de desafios em fases posteriores, todas eliminatórias, em disputas com escolas de cidades próximas. “Para a expedição, foram selecionadas cinco equipes de escolas do Alto Oeste, das quais, uma foi a nossa”, conta a professora. Em outubro de 2023, os grupos receberam mentoria durante uma semana na Ufersa para o desenvolvimento do protótipo do veículo. Lara Aquino, de 16 anos, uma das participantes da equipe de Pau dos Ferros, conta como foi a experiência. O grupo de Lara é composto ainda por Julia Cavalcante e João Marcus Bezerra. “Os estudantes foram divididos em times – tinha o da programação, da mecânica, da elétrica, da eletrônica e da fabricação digital. Eu fiquei no da programação e os meus colegas, em outros times. Depois da mentoria, nós construímos um Rover e voltamos a Pau dos Ferros para aprimorar o projeto. É um veículo pensado para a Caatinga, com sensor de umidade e temperatura em razão do nosso clima, inspirado em tecnologia da Nasa”, descreve a estudante. Segundo ela, a tecnologia utilizada para o sensor é a micro:bit (placas usadas para programação em escolas), fornecida pela Ufersa. “Criamos a programação e transferimos para a placa”, conta Lara. O protótipo também foi desenvolvido em formato de “garras”, de acordo com a estudante, para ajudar em dois pontos: melhorar a tração do veículo nos terrenos irregulares da Caatinga, permitindo maior aderência e locomoção; e remover obstáculos do caminho, como galhos e pequenas pedras. Prótese para cavalos amputados A paixão por cavalos desde a infância foi a motivação para Maria Eduarda Fernandes, de 16 anos, aluna da 2ª série da Escola Dr. José Fernandes de Melo, a criar uma prótese para cavalos com patas amputadas. Ela se uniu à colega Isabela Lisboa, também de 16 anos, para se dedicar à criação. O projeto fez parte da disciplina eletiva de iniciação científica, ministrada pela professora Jacicleuma Lima. “Sempre gostei de ir a vaquejadas. Certa vez, presenciei um acidente com um cavalo, que quebrou a canela. Perguntei o que aconteceria e o vaqueiro me disse que o animal seria abandonado no mato para morrer sozinho”, conta Eduarda. “Quando soube que precisaria criar uma solução para a disciplina, conversei com a professora e decidi criar a prótese”, completa a estudante. A solução é fabricada com material de polietileno e ossos de boi. Os trabalhos começaram em abril de 2023 e ficaram prontos somente no início de dezembro passado. Com o protótipo, a dupla alcançou o pódio na 1ª Olimpíada da Ufersa e abocanhou o segundo lugar entre os concorrentes da 15ª Diretoria Regional de Educação e Cultura (Direc). “Foi um processo que começou com muita pesquisa, até escolhermos o polietileno, conhecido pelo alto teor de resistência e os ossos bovinos, cujas fibras são muito fortes”, explica Isabela Lisboa. Até chegar ao resultado desejado, a dupla fez inúmeras tentativas. “No nosso primeiro protótipo, usamos apenas tampas de polietileno, mas o produto não saiu nem um pouco como desejado. Para o segundo experimento, usamos a telha como molde, além de pó de osso e linha de plástico. Só que, de novo, nada saiu como esperado. Na terceira vez, com a ajuda de uma oficina de próteses aqui da cidade, tudo deu certo”, relata Isabela. Ao alcançar o segundo lugar da 15ª Direc pela competição na Ufersa, as estudantes foram credenciadas para participar da Mostratec, feira de ciência da Fundação Liberato, que vai acontecer em outubro de 2025 em Novo Hamburgo (RS). Para a participação, as meninas querem fazer algumas melhorias no protótipo para oferecer o máximo de resistência ao produto. “O que nós queremos agora é forrar a parte interna e fazer outras pequenas modificações”, afirma Eduarda. Outro trabalho que chamou bastante atenção na Olimpíada da Ufersa foi o de Kaio Gabriel, de 16 anos, também da 2ª série da Escola Estadual José Fernandes de Melo. Ele criou um capacete automatizado para prevenir que motociclistas cochilem enquanto conduzem. A tecnologia utilizada é o microcontrolador Arduino. “É uma placa de desenvolvimento onde códigos são inseridos junto com alguns componentes eletrônicos para reprodução de elementos como o som”, conta Kaio. Ele explica que toda a estrutura física do capacete foi extraída de materiais da natureza para manter a sustentabilidade do protótipo. Na composição, o capacete leva fibras de coco, bucha vegetal, resina de seriguela e plástico. A primeira camada, na parte exterior do protótipo, tem fibra de coco e resina, as quais são revestidas de plástico coletado de garrafões de água e derretido com maçarico. Depois de frio, todo o processo se repete na parte de dentro. O revestimento interno é feito com bucha vegetal e fibra de coco. Para prevenir cochilos, o microcontrolador foi embarcado ao capacete junto com sensores conectados e ativados na região da testa, os quais auxiliam na detecção de sonolência do condutor. Como sinal de alerta em caso de sono, é utilizado um dispositivo eletrônico capaz de converter sinais elétricos em ondas sonoras. Para isso, o estudante utilizou a plataforma Tinkercad. Botões foram conectados às entradas digitais da placa Arduino para que o microcontrolador detecte os comandos de forma imediata e acione o som conforme programado. “A ideia surgiu de um relato de uma amiga. Ela contou que o namorado cochilou enquanto andava de moto depois de um longo período de trabalho e acabou se acidentando”, relata Kaio sobre as motivações para fabricar o protótipo. Segundo ele, a intenção agora é tornar o capacete ainda mais sustentável. “Quero trocar a bateria de lítio por placas solares”, pontua o estudante. Protagonismo Para a professora Jacicleuma Lima, os trabalhos em destaque apontam, mais do que nunca, para o protagonismo dos estudantes. Ela ressalta que a pesquisa e a sustentabilidade ganham com isso. “A forma que os estudantes trabalham hoje reaproveitando e reutilizando tecnologias mostra um olhar diferenciado para o meio ambiente. É inspirador ver como esses jovens, muitos dos quais nunca tiveram contato com iniciativas científicas, se dedicam a criar soluções reais para os problemas locais, usando materiais sustentáveis e pensando na aplicação prática de cada tecnologia desenvolvida”, analisa. Para a docente, em atuação há 38 anos, conseguir despertar nos estudantes o interesse pela pesquisa e inovação tem valido a pena. “Os trabalhos são espetaculares. Até eu, como professora, nunca vivenciei nada do tipo. É importante falar aqui do protagonismo de cada um. Nós, enquanto professores, orientamos, mas não podíamos fazer nada além disso por eles. Nosso objetivo é que cada aluno sinta que faz parte de algo maior, que suas ideias têm valor e que a ciência está ao alcance deles”, encerra.
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