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Numa reunião em um hotel em Manaus, em 2015, quando ainda se discutia como seria o projeto do novo ensino médio, secretários de educação estavam prestes a aprovar um documento em que defenderiam que o espanhol fosse a língua obrigatória para os jovens na escola. Um garçom que trabalhava no evento e ouvia a discussão – também estudante da rede pública – não conseguiu esconder sua indignação e acabou falando aos secretários.
Pegou o microfone e disse a quem manda nas escolas públicas que ele queria aprender inglês. Que o espanhol era importante, mas sem inglês nunca teria emprego. O discurso emocionado do jovem garçom fez os secretários mudarem de opinião e indicarem ao Ministério da Educação (MEC) da época o inglês como língua obrigatória no ensino médio.
Depois disso, houve impeachment, medida provisória, lei aprovada, governo Bolsonaro e os inúmeros problemas do novo ensino médio em discussão há meses no País. Mas o inglês ficou. Agora, com a proposta do MEC no atual governo Lula, o espanhol ressurge para rivalizar com a língua mais falada no mundo.
Segundo a ideia apresentada na semana passada, as escolas de ensino médio devem oferecer inglês ou espanhol, e é nesse “ou” que está a questão. Atualmente, pode haver aulas de espanhol, mas é o inglês que é obrigatório.
A equipe do MEC pretende consolidar a proposta até 21 de agosto, quando devem ser finalizadas as reuniões com entidades educacionais, para que o texto final de alteração da reforma do ensino médio possa ser apresentado ao Congresso ainda no início de setembro.
O Brasil tem fronteira com sete países que falam espanhol e a língua faz todo o sentido no contexto cultural e comercial. Mas o mundo da educação e do trabalho fala inglês. Quer você goste ou não do Tio Sam.
Se o jovem que está no ensino médio for trabalhar para o Japão (mesmo que remotamente) ou quiser fazer um curso na Holanda, vai precisar saber inglês. E, claro, mesmo no Brasil, para ampliar suas fontes de informações, para ler mais e saber mais, para ter sucesso em qualquer profissão, o inglês é essencial.
Apesar dos questionamentos quanto à qualidade das aulas de línguas nas escolas, de onde quase ninguém sai fluente, essa é a única oportunidade de um aluno pobre ter contato com o inglês na educação formal. Vídeos, séries, música ajudam, mas a escola não pode se abster de seu papel de ensinar o que é essencial para uma cidadania plena, e isso inclui a possibilidade de entender e falar inglês.
O espanhol pode e deve estar presente nas escolas brasileiras, mas como uma segunda opção de língua estrangeira. Após a publicação da coluna, o diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Básica do MEC, Alexsandro Santos, disse que, na versão final da proposta, não haverá suspensão da obrigatoriedade do Inglês, mas “indução para a priorização de espanhol como segunda língua estrangeira no Ens. Médio”.
O ministério, porém, não divulgou a minuta do projeto de lei que pretende enviar ao Congresso. Secretários de Educação ouvidos pelo Estadão dizem que as propostas divulgadas pelo governo até agora abrem brecha para ofertar o Inglês ou o Espanhol como o idioma estrangeiro obrigatório.
Ao tentar equilibrar os pratos para criar uma nova proposta para o ensino médio que atenda também grupos de esquerda, antigos defensores da obrigatoriedade do espanhol, o ministro Camilo Santana esquece da maioria dos jovens. Eles são como o garçom de Manaus, que pedem o óbvio: que a escola dê o que precisam para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais interligado e – goste ou não – falante de inglês.
Estadão
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